manias de historiador
Todos nós temos manias, pequenos vícios, superstições e hábitos irracionais. Quando se é miúdo são muitos, como pisar só as lajes brancas, fazer equilíbrios nos carris, meter o dedo lá, onde nos dizem para "não mexer", etc. Quando crescemos, deixamos de dar por isso. Mas elas continuam lá. E algumas agravam-se. Uma que me afeta particularmente é a de ver datas em todo o lado. Quatro dígitos em que o primeiro seja um 0 ou um 1, então, é uma desgraça, vejo logo uma data e associo (ou tento) a um evento. Acho que o meu testemunho "anti-efeméride" que escrevi numa introdução de um livrinho sobre "Os Dias da História" escondia uma reação do meu subconsciente a esta mania.
Lembro-me, nos tempos "da tese", dos dias sucessivos de secretária e de escrita (e das dificuldades crónicas de concentração, evidentemente), de olhar para o relógio e procrastinar conscientemente com datas. Almoçar e ficar disponível para trabalhar "na conquista de Ceuta" (14:15), e descobrir, pouco depois, que já tinha passado "o descobrimento do Brasil" (15:00). Ah! e jurar a mim mesmo que começaria a trabalhar "no fim da tese" (16:19 - data terminal da cronologia da dita), o mais tardar pelo "Conde de Linhares" (16:29-16:35 - vice-rei da Índia). E que lá pelas Invasões Napoleónicas, o mais tardar pela Revolução Liberal, aquela parte teria que estar escrita e acabada. Claro que a coisa arrastava-se sempre até à viragem do milénio, geralmente entrava nos domínios cronológicos da ficção científica e muitas vezes passava para o dia seguinte, num reset que fazia repetir tudo.
Mais recentemente, essa mania passou para os combustíveis, quando as bombas passaram a exibir os preços no exterior. Enquanto a coisa andou pela Idade Média, ainda vá que não vá, séculos XIII e XIV nunca foram o meu forte. Agora quando nos aproximámos do século seguinte é que foram elas. Durante algum tempo, bem, utilizei isto a meu favor, era uma forma de poder comparar as várias marcas. A BP estava no Tratado de Alcáçovas, a Cepsa, na Mina, a Galp, na viagem de Colombo. Os talões de desconto baralharam tudo, calma lá que História e Matemática nem sempre se deram bem. Depois habituei-me a ir à Prio porque poupava-me a contas complicadas de "0,10 € de desconto em cartão" (com validade limitada) e porque fazem recolha confortável de óleo culinário usado.
A recente subida dos combustíveis despertou-me para o assunto. Raios, chegou a entrar no domínio da futurologia, eu sei lá o que associar a 2027? Há dias confortei-me ao ver "George Orwell/Trovante" numa das bombas. Uma (pequena) costela de mim até gostou, afinal tudo o que mais caro que 1,966 € tem a ver com a minha vida. Palpita-me que nas próximas semanas, e apesar das promessas governativas, não sairemos muito do Estado Novo ou da Guerra Fria. Pronto, lá está, lá vem a Ucrânia e os russos a propósito. Raios. E eu a jurar que iria passar uns minutos a escrever ao correr da pena sem me lembrar da guerra.