crónica de um desemprego anunciado I
Desemprego. Situação estranha, esta em que me encontro. Fui precário (bolseiro e "a recibos verdes") durante toda a minha vida, mas "desempregado" nunca. Aliás, "emprego" também é coisa recente: estou desempregado porque tive, pela primeira vez, emprego durante os últimos seis anos, período inicialmente também estranho porque usufruí de coisas inéditas, como subsídio de férias e de Natal. Pá, que chatice, logo agora que me tinha habituado a elas. E agora tenho direito a subsídio de desemprego, coisa igualmente nova. Portanto, na prática estou melhor do que há 6 anos, mas formalmente (e aparentemente) estou pior: o tal estatuto de "desempregado". Pode-se ser precário ou bolseiro e estar materialmente em maiores dificuldades, mas dizer que se está desempregado tem outro impacto emocional.
A diferença não é assim tão grande, na prática. Na verdade, boa parte da gente que me rodeia sempre achou que já não trabalhava (e que nunca trabalhei) grande coisa. Sem horário das-9-às-6, sem rotina fixa de "ir para Lisboa", sempre fui um caso mais ou menos bizarro, pelo que há muito que deixaram de me perguntar se "faço ponte no feriado X" ou se "trabalho no dia Y". Que a realidade seja a de não ter horário de trabalho e de ter que compensar a aparente disponibilidade durante os "dias úteis" com muitos serões e fins-de-semana, é toda uma outra história que os meus colegas de profissão bem conhecem.
Trabalho tenho (aliás, não falta), emprego é que não. O meu pai sempre disse que que as pessoas não procuravam trabalho, mas emprego, algo que para ele era equivalente a preguiça, ronha, folgas, baixas, regalias, fazer pouco e ganhar muito. "Funcionário público", então, era quase insulto. Só compreendeu a dimensão da proteção social do conceito de "emprego" já muito idoso. No seu tempo (ou, pelo menos, no meio onde cresceu), trabalhar sem receber era coisa impensável. Hoje não é assim. Aliás, é o que não falta. Continuo cheio de trabalho. Já o emprego, o tal que acabou há dias, há-de regressar daqui a uns meses, assim o espero.
Para completar a nova situação, fui hoje entregar a chave das salas de aula da minha Faculdade e já perdi o acesso ao sistema interno de docência. Já não tenho o vínculo, agora sou "investigador externo", como até 2019. Faltava-me apenas uma coisa, a inscrição no Centro de Emprego, pelo que lá fui fazê-lo online, no site do IEFP. A principal dificuldade foi encontrar a minha profissão. O meu contrato de trabalho diz que fui "investigador contratado". Portanto, fui à procura de "investigador", mas o menu do site não colaborou: por lá constam "investigador de fraude financeira", "investigador de fraudes nos seguros", até "investigador em tanatologia", tudo excelentes opções de investigação, estou certo, mas "investigador em História" ou "em ciência" ou "em Humanidades", nicles. Depois percebi que existe a opção "historiador". Uau. Profissão: historiador, ena, que luxo, não fosse o facto de estar localizada na classe profissional de "filósofos, historiadores e especialistas das ciências políticas". Pobre de mim e dos meus pares, engavetados em tais companhias e entalados entre "farmacêuticos" e "fisioterapeutas". Feito, aguardo validação. Consummatum est. Ah, espera, bem me parecia que era tudo demasiado fácil. Recebo um email a pedir-me a DSP, "declaração de situação de desemprego". Não basta o documento da Faculdade a atestar o facto, é preciso mesmo que de lá venha, devidamente preenchida e assinada, essa DSP, na verdade, o impresso da Segurança Social Mod. RP 5044/2018 - DGSS. Já remeti e aguardo. Cheira-me que ainda vamos ter festa e que apesar das facilidades de inscrição, da submissão online, das assinaturas digitais e dos uploads documentais, ainda vou acabar por ter que agendar entrega em papel. Mas tempo não me faltará e até é bom para me entreter, não é?